sábado, 31 de março de 2018

Toco


Toco

Ontem eu era broto,
Madeira em flor,
Sonhos no frescor,
Não tinha desgostos,
Só aromas da vida.

Primeira dama,
Ela, santa, que me amava,
Amor me derramava;
Fora eu teu sabor-dissabor;
Ela, único perfume na vida.

Um homem, meu rei,
Admirei, mas eu fui faltoso.
Meu tutor, que amei,
De sua calma alma
Levo o cheiro da vida.

Depois no destemor,
Encontrei favor,
Deparei-me com espelho,
Com amor de mestre,
Que me ensinou a plantar jardim.

Agora a menina,
Essa doce assassina,
Que é minha cor,
Minha dor,
Deu a mim o mais casto da vida.

Das paixões - mãe,
Pai, Mestre e divina filha:
Uma felicidade só,
Açucenas madeixas
Que agitei sem dó.

Depois se quebrou meu toco,
A filha do meu reboco,
A donzela da minha sede
Que raspelou-me um pouco
Pouco perfume da vida.

Mas, ainda que eu desabasse,
Haveria sempre o que me retocasse,
Pois o que de mim floresceu
Sempre me favorece(u):
Minha vida da vida.

Arre, que houve beleza,
Que sempre me seguiu,
Ela, que depois partiu
No que mesmo de mim pariu,
Longe quis ficar do perfume.

Ela, que tanto me quis,
Largou-me oco,
Deixou-me solto
Distraída na vida,
Foi, no que mesmo de mim pariu.

Ah, dessas dores - amor,
Rebroto forro  e divino filho:
Uma terra só.
De onde me nasceram, enfim,
Outros olores da vida.

Agora, eu, o toco,
Nascido da ternura,
Furado e podre,
Ainda descaído, exalo cheiro
Cheio dos perfumes da dor.

Eu, agora toco morto,
Carrego no vazio, oco,
As fragrâncias; no seio
Os desgostos, o desejo rouco
E de todos tido um louco.


BN 1782-2293
© Wagner Ortiz

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